
Quando fiz zazen pela primeira vez, me lembrei do desenho cego, quando você desenha sem olhar para o papel. E assim, a mente escapa dos julgamentos de “bom, ruim, feio, bonito, certo, errado”. Na hora em que você simplesmente olha, a realidade se mostra. É como é. E, nessa observação, nos mantemos no momento presente e, assim como no zazen, somos capazes de perceber a respiração e a maneira como ela vai se transformando.
Mas a aproximação do zen com o desenho não para por aí. Quando se faz um desenho de observação, agora olhando para o papel, se percebe que as coisas não são o que se pensa delas. Por exemplo, para desenhar um nariz é preciso esquecer toda a ideia de nariz. E não é fácil. Tente fazer isso agora: dê uma olhada em um nariz. Como desenhar a transição entre o nariz e a bochecha? Não existem linhas marcantes, apenas sombras sutis. Dalton de Luca, com quem fiz aula de desenhos, sugeria que desenhássemos o “nariboca” (nariz + boca), “sobrancílios” (sobrancelha + cílios), os espaços entre as coisas. Uma arti-manha para desviar a nossa cabeça de conceitos e padrões, e simplesmente olhar o que existe.
Nossa capacidade de percepção também está ligada ao ponto do caminho em que estamos. Por exemplo, num retiro que participei no Zendo, tive a função entregar os livros durante as cerimônias. E há um momento exato para se fazer isso, quando a prece está terminando e o sino toca. É nessa fração de segundo que se deveria começar a distribuir ou recolher os livros. Parece fácil, não? Foram quatro dias e meio e três vezes ao dia. E não foi fácil acertar o momento exato, às vezes foi rápido demais, ou muito lento; por vezes esquecia de fazer alguma saudação… Mas existe algo de belo nesses pequenos erros. A beleza de mostrar como sou e como estou no caminho. Com o desenho é a mesma coisa. Às vezes começo um desenho e, por algum motivo, as linhas vão crescendo e um pedaço fica bem maior do que o outro. Ou às vezes uma linha escapa, esqueço dela. Mas mesmo assim, o desenho já é.
Existe também aquele momento do impasse, o desenho começado, com acertos e erros, todos ali. E dá aquela vontade de largar no meio, de simplesmente desistir. Sabe aquela vontade de mexer a perna quando ela formiga no meio do zazen? Aí então você faz a escolha: abandonar tudo naquele ponto ou seguir até o fim. Esse é o caminho.
