Compaixão, um treino • Compassion, a training

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A palavra compaixão vem do latim compassio, que significa o ato de partilhar o sofrimento de outra pessoa. Ou seja, ser capaz de se colocar no seu lugar e compartilhar a sua dor.

Como realmente sentir a dor do outro e querer compartilhá-la? Quantas vezes a gente já não está sobrecarregado demais com a nossa própria dor que é difícil ter espaço para a dor do outro? E também, como ter compaixão com aqueles que nos fazem sofrer?

Pois o Lojong, ou treino em compaixão nos propõe um caminho para conseguir isso. Ele é um treino, e é assim como uma musculatura que você exercita, precisando de constância para manter seu tônus. Você pode fazer a série do dia assim, abdominais, corrida leve e praticar compaixão consigo mesmo. Ou treino aeróbico e compaixão com aqueles que pensam diferente de você… Infinitas possibilidades de incluir no seu dia a dia.

Essa prática é usada tradicionalmente no Budismo Tibetano. Ela se originou na Índia, no século 13 e de lá foi para o Tibet. Quem primeiro trouxe para o ocidente foi Tungpa Rimpoche, e Pema Chödrön tem um livro com cartões dos slogans. Norman Fisher escreveu um livro com uma visão Zen desses ensinamentos, Training in Compassion, esse é o livro que eu estou usando.

Mas como que é esse treino afinal? Ele trabalha com 59 slogans, dividos em 7 pontos. Hoje eu vou escrever sobre o primeiro ponto, que é “Decida começar”. E esse ponto tem apenas um slogan, que é treine nas preliminares. Você decidiu começar, como fazer então? 

Norman Fisher elenca três maneiras de começar:

A primeira é trazer todas as situações difíceis da sua vida para o treino, pode ser um fim de namoro, a perda de um ente querido, uma doença inesperada. Lembro-me de quando conheci zen em 2006, estava superando meu divórcio e fui a um retiro de Zen Yoga com a Monja Coen. Ela disse que só existe desilusão onde existia ilusão e isso me fez refletir muito sobre o meu casamento e sobre a minha vida. Aquele foi o meu momento de decidir começar, senti que tinha de trazer toda a minha vida para a almofada de meditação.

A segunda maneira é iniciar e se ancorar numa prática meditativa. Pode ser o que for mais adequado para você. Para mim é o zazen, parar e se sentar em silêncio e observar corpo e mente. Notar os pensamentos no lugar de acreditar neles, e retornar para a sua postura e respiração. E praticar com constância, de forma a criar uma estabilidade. Assim você pode expandir a sua compaixão, como uma árvore que pode crescer para cima porque tem raízes sólidas.

A terceira maneira de começar essa prática é usando 4 reflexões tibetanas, mas vai ficar para o próximo post porque tem muito a se falar delas, então não perca a continuação. E também o próximo Zencontros será com a Onryu Mary Stares, que tem estudado o Lojong por anos e liderou o período de prática do SFZC sobre ele, marca já na agenda o dia 12 de junho às 18:00 horas!

Modelo vivo é Zen? • Is figure drawing zen?

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Será que alguém posando nú para outras pessoas desenharem tem a ver com o zen? Ela parecem práticas antagônicas, os monges não devem mostrar nada do corpo com seus os trages austeros. Mas eu vejo muitos pontos de convergência.

Se você nunca foi numa sessão de modelo vivo, o que acontece é uma ou mais pessoas posando, tradicionalmente nua e outras pessoas desenhando. Os estilos de encontro podem ir dos mais tradicionais clássicos até mais inovadores, misturando performance, modelos de gênero não binário, poses com movimento e o que mais a criatividade permitir. As poses têm tempos variados, variando desde um minuto até períodos mais longos, no geral, 20 ou 30 minutos.

O primeiro ponto em comum entre o zen e modelo vivo é a plena atenção. Se você está desenhando um modelo na sua frente com um tempo limitado para isso, não dá para ficar “viajando”, é estar presente ou a pose acaba. E para quem posa, tem que se concentrar para não mexer, estar presente no seu próprio corpo. Essa semana participei de uma sessão com o modelo @desejonas que falou disso, que quando ele está na pose ele entra num estado meditativo, totalmente focado na sua postura.

É nesse momento presente, que observador e observado se encontram e nasce o desenho. E de quem é a autoria dele? No zen se fala do vazio das três rodas, quem doa, quem recebe e o que é ofertado são vazios, um não existe sem o outro, é esse co-surgir interdependente.

Outro aspecto em comum é ter um grupo que pratica junto, no budismo se diz Sanga. Desenhar junto mesmo que através da telinha do computador traz uma conexão entre quem participa. E fazer o que foi proposto junto, faz a distância ser superada e traz um calorzinho da conexão humana.

Eu já ia em alguns grupos esporadicamente antes da pandemia, mas desde o ano passado eu comecei a fazer parte do @nudesenhos, participei de uma sessão com o grupo argentino @la.jam.tematica e esse ano conheci e me encantei com a proposta do @riscoexperimental, que fizeram um festival em março com sessões e oficinas incríveis e no mês passado participei de uma sessão muito sensível com o coletivo @nuamodelovivo. Vale a pena olhar todos no instagram e pra quem se animar se juntar em alguma sessão aberta!

Modelos desenhados: Amanda Malaguti (imagens 5 e 7), Bruna Sassi (1), Érika Domingues (8), Jonas Araújo (2 e 3), Marcela Corrêa Muller (4) e Thango (6)