A praia e o mar, sempre os mesmos e sempre novos, me ensinando diariamente.
O mar foi o meu primeiro mestre zen. Me lembro de ainda criança andar na praia e observar as suas transformações. O mar da manhã é diferente do da tarde, o de ida é diferente do de volta na caminhada matinal. Aprendi sobre a impermanência e o momento presente.
Não é somente o mar, o céu, a natureza estão sempre nos mostrando que tudo se transforma e como cada instante é único. Comecei a escrever esse post na praia, mas vim para São Paulo e fiquei pensando como ter essa relação com a natureza aqui na cidade? Pode parecer difícil, mas se você prestar atenção, tem um pedaço de céu na janela, uma árvore no caminho. Observar o que está ao nosso redor nos ensina.
Eu estou num apartamento da onde posso ver o sol nascer. O céu fica laranja e aos poucos surge a bola dourada do sol, trazendo luz e calor para começar o dia, ou, se chove, surge uma fina camada cinza entre a cidade e o meu olhar.
“As montanhas caminham e vocês devem compreender o caminhar das montanhas”‘. Escreveu Mestre Dogen, fundador da Soto Zen, no Sutra sobre Montanhas e Rios. Num outro texto falou sobre como os seres não sencientes ensinam o Darma.
O líder indígena Ailton Krenak fala sobre as montanhas sagradas “Em algumas regiões dos Andes, você encontra lugares onde as montanhas formam casais. Tem mãe, pai, filho, tem uma família de montanhas que troca afetos, faz trocas. E as pessoas que vivem nesses vales fazem festas para essas montanhas, dão comida, dão presentes, ganham presentes das montanhas.”
Quando escuto os ensinamentos do Krenak, percebo esse respeito e essa relação de aprendizado com a natureza, que é o que eu vejo no Mestre Dogen e que eu sinto quando olho para o mar na praia ou para o céu na cidade. Que eles são nossos mestres e nossos parentes. Como honrar essa herança?
Se você gostou da proposta desse blog, considere fazer uma doação para mantê-lo vivo
Modelo vivo é uma das atividades que a quarentena me trouxe de presente, esse desenho que fiz na sessão de modelo vivo/performance “Permitido chorar nesse local” com a artista Renata Caldas parte do festival Risco!
Foram meses sem escrever aqui. Okay, tive lá minhas razões para isso, sai de Pirenópolis para São Paulo e de lá para a praia onde estou morando desde novembro. Também peguei um trabalho grande de ilustração. Enfim, entre me mudar e ilustrar, me adaptar à vida na praia, não dei conta, não fiz posts.
Há algumas semanas a piora da Covid no Brasil ficou evidente, aquilo que a gente sabia que ia acontecer estava acontecendo. Colapso do sistema de saúde, mais de 3.000 mortes por dia e a nova variante P1 tornando o vírus ainda mais agressivo. No meio disso tudo eu me dei conta que ir para os EUA pode não ser possível, com a manutenção da barreira para pessoas vindas do Brasil. Com isso comecei a pensar, como que eu refaço os meus planos e equaciono a minha vida profissional?
O meu primeiro pensamento foi, ligo para a minha ex chefe para ver se pego com ela freelas de design e diagramação. Mas aí eu parei e pensei… por que, depois de ter feito tantas outras coisas eu preciso voltar para um lugar conhecido, mas talvez não tão feliz?
Aí eu me lembrei de uma história que o Tenshin Reb Anderson contou num período de prática em Tassajara. Uns patos que viviam engaiolados foram libertos pelo seu dono. Eles saíram e voaram, voaram e nadaram, nadaram na lagoa e… voltaram. Voltaram para a gaiola! E foi assim que eu me vi.
E aí eu parei e pensei no que realmente me importa, em como eu quero viver a minha vida. E que o blog tinha ficado em segundo plano, ou mais, que eu ainda não tinha colocado a energia que eu poderia ter posto. E que o meu treinamento zen é para eu ser capaz de passar por momentos difíceis e estar aqui agora sem querer escapar para os Estados Unidos porque as coisas estão mais fáceis lá. Os ensinamentos que eu ouvi podem ajudar nesse momento tão difícil que estamos vivendo.
Se vc já me acompanhava ou se está chegando agora, se prepare para uma aventura. Como é viver uma vida zen? Dentro ou fora do mosteiro? Como que a gente se mantém vivo, sendo criativo nesse momento? Nós estamos vivos! Esse blog é a resposta que eu estou dando nesse momento, seja bem vindo à bordo!
O meu blog é sobre esse lugar, “entre”, ele não é divisão, é em relação. Trabalhar no blog é para mim falar sobre esse lugar, onde eu me vejo, e que, espero, possa também ajudar a outras pessoas, especialmente a quem se vê assim também. Eu sempre me senti “fora de lugar”, como se eu visse nos grupos da escola, nas vidas super organizadas e estáveis, algo que eu não pertencia, que eu não fazia parte. Não era o meu lugar.
O Zen me ajudou a sentir a conexão com tudo e todos e que a vivência nas diversas Sangas me permitiu incorporar essa sensação. Quem já fez um sesshin (retiro zen) sabe como nos sentimos íntimos com os outros participantes, uma intimidade profunda que se tem em silêncio. Viver num Zen Center é sentir isso no dia a dia, não é que você vai ser melhor amigo de todos, mas existe uma uma base comum que é a prática, que é dedicar a sua vida para despertar, ajudar os outros nesse caminho e buscar uma vida em harmonia.
A quarentena mexeu com a vida de todos, viagens que não aconteceram, mudanças na rotina, relacionamentos que terminaram…. Para mim, a quarentena fez da minha passagem de 3 meses pelo Brasil se configurar como uma volta de pelo menos um ano e trouxe questões desse espaço “entre”.
Eu faço o zazen online com a Sanga de São Francisco, mas quando eu fecho o meu computador, para onde vai a minha conexão com ela? Por um lado, é claro, não vai a lugar nenhum, está sempre presente…. Mas por outro, não ter a presença física, não participar do dia a dia vai dando um distanciamento. Além disso, aqui eu estou me reaproximando da Sanga brasileira, como que eu consigo participar e realmente colaborar? Ou mais, como que eu consigo resolver essa equação da minha necessidade interna de fazer parte com o momento das Sangas? Como que eu desse espaço entre, posso contibuir de verdade e também cuidar das minhas necessidades verdadeiras?
No Genjokoan, Mestre Dogen escreve, “Levar adiante o eu à prática e realização dos dez mil darmas é delusão. Que os dez mil darmas ativamente pratiquem e realizem a nós mesmos é iluminação.” Como que a minha ação pode vir desse lugar que a realidade se manifesta e não tentando forçar a realidade? Essa diferença muitas vezes é sutil.
Meu corpo acabou de me dar uma lição. Eu tive um terçol há duas semanas que me levou a um médico acupunturista que descobriu que estava ligado ao meu fígado e à minha alimentação. Eu estava fazendo suco verde todo dia, cozinhando a minha comida com o mínimo de produtos industrializados, nada de latas ou congelados, fazendo o meu iogurte com leite vindo direto do produtor. Bastante castanhas e nozes – aquela sem sal porque é mais saudável. Mas o que podia estar errado? O meu suco verde tinha coisas de mais, linhaça germinada, beterraba, suco de laranja e limão, chuchu, pepino, alface, couve, maçã, gengibre, hortelã prá completar eu batia uma parte com banana e virava um smoothie. Eu estava forçando o meu corpo, impondo uma idéia de saúde e não ouvindo os sinais. Agora estou ajustando, voltando para o caminho do meio e procurando acolher a minha necessidade de pertencimento mas lembrando que quando a Roda do Darma gira, nada sobra nem nada falta.
Quando a nossa vida está baseada em respeito e completa confiança, ela está completamente em paz. O nosso relacionamento com a natureza deve também ser assim. Nós devemos respeitar tudo , e nós podemos praticar respeitar as coisas na maneira que nós nos relacionamos com elas. Suzuki Roshi
A maneira que nós nos relacionamos com o nosso espaço e os nossos objetos é na verdade a nossa prática do Zazen fora do zafu (almofada).
A quarentena me pegou em Pirenópolis, eu vim passar 3 semanas e já estou aqui há mais de 5 meses, aluguei um loft num condomínio e esse espaço se tornou um pequeno templo.
Participei de um Mugon sesshin com a Sala Therigatha, um dia de se sentar e de completo silêncio, sem palestra do Darma ou leitura de sutras. A casa virou um zendo. Os sinos vindos através do computador indicaram a hora de sentar, de caminhar e de comer.
Quando a gente tira um dia assim para fazer zazen junto com a Sanga, uma mágica acontece. Ao pararmos, percebemos e ouvimos tanto a nossa casa que é o nosso corpo quanto a nossa casa, onde moramos, elas começam a falar com a gente. A fala pode ser uma dor no pescoço ou no joelho, ou os pensamentos , que vem e vão. E a casa que se mostra com luminosidade e detalhes que no geral não vemos. Foi como se as paredes falassem. Talvez essa mágica aconteça todos os dias, mas nós, na nossa correria do dia a dia não ouvimos.
A minha amiga Maria Elena Martinez, estudiosa dos povos originários do México me falou que na língua Maia Tsotsil não existe objeto, é só sujeito. As coisas não são “coisas”, elas tem alma (ch’ulel). E quando a gente silencia, a gente sente essa alma.
E você, como tem ouvido a alma da sua casa? Escreva, desenhe ou fotografe e coloque aqui nos comentários!
Aquarela do encontro por zoom da Sala Therigatha para pensar ações conjuntas.
Ananda, assistente de Buddha perguntou a ele: “Mestre, é verdade o que foi dito, que bons amigos espirituais são toda a metade da vida sagrada?” e Buda responde “Não Ananda, bons amigos espirituais são a vida sagrada inteira. Encontre refúgio na comunidade, a Sanga.”
Nesses tempos de confinamentos e incertezas, estar com a Sanga, o grupo de praticantes, é como achar água no deserto, sentir conexão e troca. Uma imagem bonita é que uma pessoa praticando sozinha é como uma árvore que cresce isolada, sabe aquelas que ficam todas retorcidas, às vezes inclinada pra um lado, enquanto que a Sanga é como uma floresta que cresce junto e é mais forte por isso.
Com a quarentena, os praticantes aparecem na telinha do computador ou do celular, mas enchem a casa com a energia da prática. Eu participo de alguns grupos, mas que na verdade é uma só, é Sanga de Buda.
De terça e quinta às 7:30hr abro uma sala no zoom, a gente se senta ouvindo os passarinhos de Pirenópolis. Na quarta nesse horário tem Zazen e Cerimônia da manhã com a Sala Therigatha.
Com o Zen Center de São Francisco eu participo do Online Zendo às 10:30. Também participei do Período de Prática no qual estudamos o treinamento da mente para a compaixão, conhecido como Lojong, uma prática tradicional tibetana com série de 59 slogans para a treinar a mente.
Com a Sala Therigatha, todos os dias sentamos Zazen às 19hr e depois a Monja Waho Sensei lê um texto insirador, Tich Nat Han, Suzuki Roshi, Charlote Joko Beck. Mestres que iluminam a nossa prática com sua sabedoria e compaixão.
A Sanga também sonha junto, como é trazer para a ação o nosso voto do Bodisatva? Como podemos não fazer o mal, fazer o bem, fazer o bem a todos os seres? Com a Sala Therigatha, fizemos uma reunião para pensar ações, que a Monja Waho Sensei, chamou de “Tecendo o Grande Manto”, uma referência à pratica de costurar o manto de Buda quando as pessoas que fazem o compromisso de viver segundo os preceitos budistas, Rakusu para leigos e Okesa para monges. E para mim, me vem à cabeça a música dos Saltimbancos, autoria do Chico Buarque “ao meu lado há uma um amigo que é preciso proteger, todos juntos somos fortes não há nada prá temer! E no mundo dizem que são tantos, Saltimbancos como somos nós!”
E para você, como tem sido a sua prática com a quarentena? Escreva nos comentários!
Eu escrevo de dentro de casa, você me lê de dentro de casa, isolados e juntos, somos um nesse momento. Começou lá na China, parecia que era tão longe, foi chegando, a Itália já estava mais perto e de repente já estava aqui. Ao mesmo tempo que isolados, estamos juntos, todos passando pela experiência de confinamento social.
Um momento muito difícil, milhares já morreram ou morrerão, além da doença em si, a incerteza gera ansiedade e medo. Mas também há aspectos positivos, os canais de Veneza voltaram a ter cor verde, o céu da China despoluiu e mais tartarugas nasceram seguras nas praias em Pernambuco.
E milhares de pessoas e organizações estão disponibilizando conhecimento, aulas, meditações online e gratuitas. E eu pessoalmente senti também essa necessidade de compartilhar mais da minha experiência com o Zen Budismo, Kundalini Yoga e arte e fazer essa ponte entre as pessoas. Se esse espaço do Entrezen ficou meio parado nos últimos meses, agora é hora de sacudir a poeira e colocá-lo à disposição. Porque todos agora estamos passando por um retiro e podemos aproveitar esse momento como oportunidade.
Diversas atividades regulares do templo estão sendo transmitidas online. Zentchu Sensei, discípula da Monja Coen está fazendo diariamennte os Petiscos Zen no seu instagram Zentchu (Diana Silva) às 16 horas e no FB do Zendo Brasil às 18:00.
Estados Unidos
São Francisco Zen Center
SFZC – Zen Center de São Prancisco – todos os dias de semana de manhã e final da tarde e sábado Dharma talk. Horários de São Francisco. Acrescentar 4 horas para o Brasil.
Altars are like our lives. They require attention and care in order to stay alive and vibrant. When we neglect our altars, just as when we neglect our lives, they become sluggish and dull. So when we are caring for our personal altars we are really caring for ourselves. I use my personal altar in my bedroom at City Center to reflect on the state of my practice life. I like to put personal items on my altar, like pictures of my family and friends, notes, cards, gifts, and objects from nature. To me this illustrates that I am not practicing alone, but in the context of my life in the world. When my altar builds up clutter I take the time to renew my intention and to narrow in on what is important for me right now. In a similar way that caring for our personal altars is like caring for our lives, caring for the altars in our temple is a manifestation of caring for our sangha. In almost any room you enter at City Center, you will find an altar. When we neglect these public altars, we are neglecting our life in the Sangha—and when we take time to carefully maintain their appearance and cleanliness, we are working for the spiritual health of the community.
In our lineage of Zen we have four main items on our altars. A flower or greens arrangement, a candle, incense/fragrance, and a statue (typically the Buddha or a bodhisattva). We organize the items in a way that focuses our attention. It won’t work to just set the candle on the altar and walk away. The items should be in special relationship to each other, and this requires us to be in the moment with these objects in order to align them just so.
The picture above is the altar in our kitchen where you can see these four elements. They are organized into a kind of diamond shape, with the statue elevated in the center back. The arrangement is on the left, in an opaque rather than glass vase, and should never be taller than the statue. The candle is on the right, also lower than the statue, and the fragrance is in the front center. Though an incensor is a common feature on an altar, to increase accessibility at City Center, we don’t burn incense to ensure the space is smoke free. Instead we sprinkle dried flower petals into an offering bowl filled with water, which carries the same intention.
Next time you’re at a Zen Temple, I encourage you to take a look at what makes up the different altars that you see. We have many variations at our three practice centers and studying the similarities and differences is a great opportunity to reflect on what altars mean to you and what role they play in your practice. If you have a practice leader or teacher this can be a rich topic of inquiry and exploration.
Cuidando deum altar, cuidando da sua vida
Altares são como as nossas vidas. Eles exigem atenção e cuidado para se manterem vivos e vibrantes. Quando negligenciamos nossos altares, assim como quando negligenciamos nossas vidas, eles se tornam sem energia e enfadonhos. Então, quando estamos cuidando de nossos altares pessoais, estamos na realidade cuidando de nós mesmos. Eu uso meu altar pessoal no meu quarto no City Center para refletir sobre o estado da minha vida de prática. Eu gosto de colocar itens pessoais no meu altar, como fotos da minha família e amigos, notas, cartões, presentes e objetos da natureza. Para mim, isso ilustra que não estou praticando sozinho, mas no contexto da minha vida no mundo. Quando se acumula confusão no meu altar, eu aproveito o momento para renovar minha intenção e estreitar o que é importante para mim agora.
De uma maneira similar, cuidar dos nossos altares pessoais é como cuidar de nossas vidas, cuidar dos altares em nosso templo é uma manifestação de cuidado com nossa sangha. Em quase todos os cômodos que você entra no City Center, você encontrará um altar. Quando negligenciamos esses altares públicos, estamos negligenciando nossa vida na Sangha – e quando dedicamos tempo para manter cuidadosamente sua aparência e limpeza, estamos trabalhando para a saúde espiritual da comunidade.
Em nossa linhagem de Zen, temos quatro itens principais em nossos altares. Um arranjo de flores ou verdes, uma vela, incenso / fragrância e uma estátua (normalmente o Buda ou um bodhisattva). Organizamos os itens de uma maneira que foque nossa atenção. Não vai funcionar apenas colocar a vela no altar e ir embora. Os itens devem ter uma relação específica entre si, e isso requer que estejamos no momento com esses objetos para alinhá-los.
A foto acima é do altar da nossa cozinha, onde você pode ver esses quatro elementos. Eles são organizados em uma espécie de formato de diamante, com a estátua elevada centralizada ao fundo. O arranjo fica à esquerda, em um vaso opaco e não de vidro, e nunca deve ser mais alto que a estátua. A vela está à direita, também abaixo da estátua, e a fragrância está no centro da frente. Embora um incensário seja um aspecto comum em um altar, para aumentar a acessibilidade no City Center, não queimamos incenso para garantir que o espaço seja livre de fumaça. Em vez disso, colocamos pétalas de flores secas em uma tigela cheia de água, com a mesma intenção.
Da próxima vez que você estiver em um templo Zen , recomendo que você dê uma olhada no que compõe os diferentes altares que você vê. Nós temos muitas variações em nossos três centros de prática e estudar as semelhanças e diferenças é uma grande oportunidade para refletir sobre o que os altares significam para você e qual o papel que eles desempenham em sua prática. Se você tem um guia de prática ou professor, isso pode ser um valioso tópico de investigação e exploração.